PECADORES | REVIEW

Daqueles filmes que nos faz lembrar o porquê amamos o cinema

É impossível descrever “Pecadores” em poucas palavras, a não ser… MASTERPIECE. Em seu primeiro filme original em mais de 10 anos, o cineasta Ryan Coogler destrói todas as barreiras de gêneros cinematográficos com uma obra que não apenas nos entrega uma ação com vampiros, mas que nos leva por uma jornada claramente pessoal para o realizador, ao falar sobre perda familiar, igualdade racial, liberdade e música.

A narrativa do filme nos apresenta dois gêmeos, interpretados por Michael B. Jordan, que retornam à sua terra natal para comprar de um racista uma antiga serraria e transformá-la em uma casa de blues, para que toda a comunidade negra da região possa se sentir livre ao manifestar sua cultura. Muita coisa, né? Muitos temas para explorar, oportunidades de discussões importantes. Mas, felizmente, o cineasta não perde tempo e trabalha tudo da melhor maneira possível. E sim… em meio a uma história de vampiros.

Em seu primeiro ato, o filme nos move através da música, de uma comédia bem perspicaz partindo dos gêmeos, e de falas bem naturais envolvendo sexo. Em meio a isso, os temas sociais aparecem em diálogos construtivos enquanto os irmãos buscam formar seu clube em um dia. Quando a casa de blues abre, o longa vira um verdadeiro show audiovisual, com uma ambientação calorosa e uma trilha sonora de arrepiar, que acompanha o som envolvente do blues. E é nesse momento que temos aquela cena…

Ah, aquela cena… É possível cravar que Coogler executou uma das cenas mais arrepiantes e belas dos últimos anos, quando o personagem Sammy rompe a barreira do espaço-tempo através de sua voz e violão tocando blues. Entidades do passado, do presente, do futuro e de diversas culturas se reúnem por conta do poder da música para formar um momento que nos desperta inúmeros sentimentos e faz nossa alma sair do corpo por admiração. E isso é ajudado pela execução em um tipo de plano-sequência que conta com um show à parte de figurinos e trilha sonora. Simplesmente: uau.

Logo após, o lado fantasioso do filme é executado perfeitamente. Todos os maneirismos que conhecemos sobre os vampiros (estacas de madeira, luz do sol, alho etc.) estão presentes, mas de forma que servem ao máximo para a história. Essa parte do filme poderia ser apenas para nos entreter em meio a temas sociais, mas até aqui o cineasta os faz presentes ao colocar o vampirismo invadindo a trama por meio dos seus únicos personagens brancos.

Algo que pode passar batido, mas é uma representação da segregação estadunidense na década de 30, é o fato de um casal chinês ser dono de duas mercearias: uma do lado branco e outra do lado negro da rua. Isso é mais uma manifestação da genialidade de Coogler como realizador, ao abordar de todas as formas possíveis esse assunto em meio à sua narrativa.

Michael B. Jordan vive os dois irmãos gêmeos e consegue criar um carisma único para cada um, fazendo com que nós, instantaneamente, nos importemos com eles. Miles Caton, como Sammy, é o verdadeiro destaque do filme, com sua voz poderosa e uma interpretação singela de um jovem sonhador amadurecendo. Hailee Steinfeld tem pouco tempo para brilhar, mas seu charme e beleza são únicos, tanto durante seu tempo como humana, mas principalmente na sedução que uma vampira sedenta por sangue exige. Wunmi Mosaku, Delroy Lindo, Jayme Lawson e Omar Benson Miller completam o impecável elenco de destaque. Jack O’Connell é o responsável por introduzir o elemento fantasioso do filme, e conduz isso de forma magistral, ao ser um vampiro carismático e misterioso.

Ryan Coogler se envolve no surrealismo de histórias negras que vêm crescendo nos últimos anos, como por exemplo em “Corra!”, “Nós” ou “Lovecraft Country”, para contar uma narrativa pessoal, lotada de temas importantes, mas que também tem um lado fantasioso e de ação. Ele sabia o que tinha em mãos — não à toa conseguiu um contrato que fará com que os direitos do filme sejam dele em 25 anos.

“Pecadores” é uma nova amostra de que o cineasta vai muito além de filmes de marcas como “Pantera Negra” e “Creed”. Tão autoral e pessoal, que Coogler teve a ousadia de colocar duas cenas pós-créditos que complementam o filme perfeitamente.

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