PACIFICADOR – 2ª TEMPORADA | REVIEW

A união da insanidade e do coração

Depois de começar com o pé na porta o novo DCU com Superman e Comando das Criaturas, James Gunn se encarregou da missão de encaixar a segunda temporada de Pacificador como parte desse universo. E desde o primeiro episódio, ele comanda isso com classe. O tom irreverente, violento e emocional que marcou a primeira temporada retorna, mas agora com um peso ainda maior: o de sustentar uma transição entre dois mundos, sem perder a identidade.

Essa escolha vem do fato de Gunn simplesmente não querer abandonar esses personagens que são incríveis de acompanhar. Ele os criou, os desenvolveu e claramente tem um carinho especial por eles. Assim, o encaixe no novo universo se torna uma missão rápida, quase simbólica, diante de uma jornada muito mais emocional e humana.

Já na primeira temporada, Gunn havia conseguido nos aproximar dos personagens de forma quase íntima, tornando-os genuinamente amáveis mesmo em suas falhas grotescas. Aqui, isso é amplificado. O próprio Pacificador é o melhor exemplo: é inacreditável pensar em como hoje sentimos empatia e até carinho por um sujeito que era um completo babaca em O Esquadrão Suicida. O arco de redenção dele nunca parece forçado, e cada recaída o torna mais humano, principalmente na jornada final desses novos episódios.

John Cena, aliás, vive seu verdadeiro auge dramático nesta temporada. Seu desempenho é impressionante — ele equilibra com maestria o humor físico e o peso emocional de um homem que tenta, sem sucesso, escapar de seu passado. Jennifer Holland e Danielle Brooks também brilham em momentos decisivos, dando uma profundidade emocional rara para uma série de super-heróis. Quando essas três forças se encontram em tela, é impossível não se envolver.

Gunn ainda expande a mitologia do novo DCU com inteligência. Ele usa a temporada para introduzir conceitos e personagens que ressoam com o que já vimos em Superman. Rick Flag Sr., agora o principal vilão, é uma escolha brilhante. Movido pela dor da perda do filho, ele se torna uma figura odiosa e trágica, um reflexo sombrio do próprio Pacificador. A relação entre eles é o coração narrativo da temporada e o combustível de seus melhores episódios.

Mas, infelizmente, o episódio final não entrega o impacto prometido. Falta uma sensação de encerramento — o que é frustrante diante do quão sólido foi o caminho até ali. A série perde ritmo e termina em aberto, mais como um prelúdio do futuro do DCU do que como o fim natural dessa história. É compreensível, já que Gunn está construindo um universo interligado, mas é decepcionante ver a emoção diluir-se em função da expectativa.

Ainda assim, há muito mérito em como o diretor explora conceitos paralelos ao multiverso de maneira própria. Ao invés de realidades infinitas, ele trabalha com mundos que se sobrepõem emocionalmente, ligados por escolhas e consequências. Essa abordagem, aliada aos temas de culpa, legado e pertencimento, dá à temporada um toque existencial que poucas séries de super-heróis têm coragem de buscar.

Um dos elementos mais ousados da temporada é a decisão de James Gunn de introduzir um mundo alternativo onde o nazismo tomou conta — e de fazer disso uma parte fundamental da trama. É uma escolha corajosa, que poderia facilmente soar exagerada, mas aqui ganha um peso temático e emocional impressionante. Gunn não usa esse cenário apenas como provocação: ele o transforma em um espelho distorcido da própria humanidade dos personagens, especialmente de Pacificador, que precisa confrontar os limites de sua moral e o legado de violência herdado do pai.

Essa ambientação extrema afeta profundamente o público, gerando desconforto e reflexão, ao mesmo tempo em que abre espaço para reviravoltas intensas e momentos inesperados, onde o absurdo e o trágico se misturam de forma brilhante. É o tipo de risco narrativo que só um diretor seguro de sua visão se permitiria correr — e Gunn faz isso com uma confiança quase desafiadora.

É curioso que uma série tão caótica e violenta encontre seu ponto de equilíbrio justamente na vulnerabilidade. Gunn entende que o riso e a brutalidade funcionam melhor quando acompanhados de verdade emocional, e é isso que torna Pacificador tão especial. Mesmo quando a trama parece tropeçar, o elenco e a direção mantêm a chama acesa — e o público preso.

O fim pode ser frustrante, sim, mas pensar nos momentos vividos com esses personagens apaga boa parte da decepção. É uma temporada de altos e baixos, mas os altos são intensos, sinceros e repletos de alma. Gunn faz do caos uma forma de arte — e de Pacificador, um dos personagens mais complexos do novo DCU.

A segunda temporada de Pacificador não é perfeita, mas é corajosa. Ela mantém o humor ácido, aprofunda seus personagens e entrega emoções genuínas, mesmo tropeçando na reta final. James Gunn prova, mais uma vez, que entende como ninguém o equilíbrio entre insanidade e coração.

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