IT: BEM-VINDOS À DERRY | REVIEW

O palhaço está voltando… no tempo

Nos últimos anos, Pennywise deixou de ser apenas um vilão literário para se tornar uma das figuras mais icônicas do terror moderno. Após a adaptação de It: A Coisa, de Stephen King, em dois filmes bem-sucedidos, a HBO, em parceria com Andy Muschietti, encontrou uma nova forma de expandir esse universo. Em vez de simplesmente repetir a fórmula, a série aposta em explorar eventos citados de forma pontual no livro, transformando o passado de Derry em matéria-prima para algo maior.

É assim que nasce It: Bem-Vindos a Derry, uma série que nos conduz novamente à pacata cidade marcada por ciclos de horror. Derry volta a ser apresentada não apenas como cenário, mas como entidade viva, moldada pelo medo, pela omissão e pela presença de um ser de poder quase infinito que se esconde nas sombras de sua própria história.

O grande trunfo da série está justamente na expansão de sua mitologia. Desde cedo, o roteiro se dedica a explicar o que é a Coisa, sem recorrer a longas exposições vazias. Inclusive, começando com pequenas falas que servem como dicas. A revelação de sua natureza acontece de forma orgânica, sempre atrelada à maneira como a narrativa avança. O conhecimento não surge como informação jogada ao espectador, mas como descoberta, o que torna essa abordagem surpreendentemente eficaz.

Para quem já leu o livro, muitos desses elementos não são exatamente novos. Ainda assim, a forma como a série apresenta o passado da divindade maligna — agora flertando abertamente com o cósmico — é envolvente. Ser conduzido pouco a pouco por conceitos que ultrapassam o sobrenatural tradicional até chegar ao grande momento de revelação é uma experiência recompensadora, mesmo para os fãs mais antigos.

Algo original, está na forma em que a Coisa se encontrou e se apropriou da imagem do Pennywise. É uma história que, com muito cuidado, é construída para nos dar mais substância sobre o passado de Derry. Mas ainda assim, existe uma conexão disso à narrativa principal que acompanhamos.

No entanto, a série tropeça feio em um ponto essencial: o elenco infantil. Assim como no primeiro filme, a narrativa é conduzida majoritariamente por crianças. A diferença é que, aqui, a escolha do elenco se mostra um erro grave. Falta naturalidade, falta carisma e, principalmente, falta domínio emocional para sustentar o peso da história.

A trama exige muito desses jovens atores, mesclando drama intenso e terror em uma narrativa densa e carregada. O resultado é um constante estranhamento causado por atuações fracas e inconsistentes. São poucos os momentos em que algum deles realmente convence, e isso compromete a imersão em diversas cenas importantes.

Do lado adulto da narrativa, os problemas também existem. A série trabalha com duas subtramas paralelas que se desenvolvem gradativamente, mas nem todas funcionam. No núcleo militar, apesar de personagens interessantes — como Dick, com seus poderes, e Leroy, um homem aparentemente sem medo — há uma grande falha na justificativa da presença dos generais e de seus reais objetivos dentro da história.

Já a trama de Charlotte, que, sendo uma ativista contra a segregação racial em um período de alto racismo nos EUA, é apagada por grande parte do tempo. Assim, ela age em prol de defender um homem injustiçado. Mas isso, que seria algo tão importante para certo momento da trama – episódio 7 –, acaba sendo algo jogado nos primeiros episódios que nem é resolvido no epílogo final.

Há uma verdade inegável: It: Bem-Vindos à Derry precisa de Pennywise. Bill Skarsgård é absolutamente essencial para o sucesso da série. Sua ausência prolongada nos primeiros episódios enfraquece o impacto inicial, e a demora em colocá-lo em cena é sentida. Usar a Coisa em outras formas, sem ser o palhaço, não tem o mesmo impacto. Mas quando ele finalmente aparece, no quinto episódio e em diante, o resultado é arrebatador. Cada cena com Pennywise lembra o porquê desse personagem ser tão marcante na pele do ator.

Desde o episódio inicial, a série também se preocupa em agradar quem está atento às referências dos filmes anteriores. Felizmente, essas conexões não surgem como fan service gratuito. Há sempre uma tentativa de justificativa narrativa, o que mantém a coerência interna do universo. Até mesmo no episódio final, que traz uma enxurrada de referências, o roteiro demonstra cuidado para não transformar isso em excesso vazio.

De modo geral, o texto oscila bastante. O roteiro alterna entre grandes acertos e erros significativos, quase o tempo todo. Ainda assim, alguns desses acertos são tão impactantes que acabam pesando mais na balança, fazendo com que a experiência geral seja positiva, apesar das falhas evidentes.

A maior prova disso está na revelação de que a Coisa está vivendo em um movimento cada vez mais regressivo no tempo, tentando impedir a própria morte. Essa ideia não só é brilhante como redefine a lógica da série. Ela justifica plenamente o formato retroativo da narrativa e abre caminho para futuras temporadas que avancem mais 27 anos para o passado, acompanhando ciclos anteriores da entidade.

No fim, It: Bem-Vindos a Derry é uma expansão ambiciosa, irregular, mas fascinante. Mesmo tropeçando em escolhas de elenco e em algumas subtramas mal resolvidas, a série acerta ao aprofundar a mitologia e ao tratar Pennywise não apenas como um monstro, mas como uma força cósmica em constante adaptação. Se conseguir corrigir seus erros, esse retorno a Derry tem tudo para se tornar essencial dentro do universo de Stephen King.

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