AVATAR: FOGO E CINZAS

O fim da calmaria e o abraço à intensidade

Com apenas dois filmes lançados, Avatar já havia se consolidado no topo das maiores franquias da história do cinema. James Cameron construiu esse status ao unir avanços técnicos impressionantes a narrativas que, mesmo contemplativas, sempre carregaram reflexões claras sobre a natureza humana. O primeiro filme discutia a ganância e o lucro desenfreado; o segundo mergulhava na exploração marítima e no colonialismo ambiental. Em Avatar: Fogo e Cinzas, essas camadas dão espaço a um discurso ainda mais direto e explicitamente político.

A franquia sempre foi marcada por grandes saltos tecnológicos no cinema moderno, algo que aconteceu nos dois capítulos anteriores. No entanto, com o terceiro filme chegando apenas três anos após O Caminho da Água, essa revolução técnica não se repete no mesmo nível. Ainda assim, o padrão visual permanece absurdamente alto. Pandora continua sendo um dos mundos mais bem realizados da história do cinema, com uma riqueza gráfica que poucos filmes conseguem sequer se aproximar.

Ciente de que o impacto visual já está consolidado, Cameron opta por outro caminho: acelerar o ritmo e intensificar o conflito. Fogo e Cinzas é, de muito longe, o filme mais frenético da franquia até agora. Para aqueles que insistem em dizer que Avatar não tem ação ou é lento demais, este capítulo surge quase como uma resposta direta. São inúmeras sequências de ação grandiosas e tecnicamente impecáveis, com pouquíssimos momentos de pausa.

Esse dinamismo não diminui a sensação de imersão — pelo contrário. A combinação entre ação constante e contemplação visual cria um equilíbrio raro, onde o espetáculo nunca sufoca o encantamento. Pandora continua viva, pulsante e fascinante, mesmo quando o caos toma conta da tela.

Diferente do segundo filme, aqui não há salto temporal. A narrativa começa poucos dias após a batalha final do longa anterior. A família Sully ainda está profundamente marcada pela morte de Neteyam, e esse luto serve como combustível emocional para a trama. As feridas estão abertas, e os conflitos internos surgem de forma intensa.

O tema da família, já muito presente, ganha ainda mais peso. A relação entre Quaritch e Spider se aprofunda de maneira significativa. O coronel em sua versão avatar continua movido pela vingança, mas passa a demonstrar um desejo genuíno de se conectar com o filho. Spider, por sua vez, vive um conflito constante entre sua origem humana e sua ligação afetiva com Jake e Neytiri, o que gera atritos emocionais fortes e bem explorados.

Esse mesmo foco familiar se estende ao povo Metkayina. Ronal, interpretada por Kate Winslet, está grávida, e essa condição se torna um elemento crucial no terceiro ato do filme. A maternidade, a continuidade da vida e a responsabilidade coletiva entram em jogo com um conflito pessoal entre Ronal e Neytiri.

Sam Worthington e Zoe Saldaña mais uma vez entregam performances intensas. Jake Sully segue como um líder marcado pela culpa e pelo peso das decisões, sempre dividido entre proteger sua família e cumprir seu papel na luta maior. Neytiri, por outro lado, está ainda mais visceral, movida pela dor, pela fúria e por um forte instinto protetor.

Embora Jake ainda seja o protagonista, fica cada vez mais evidente que a franquia começa a transferir esse papel para Lo’ak. O jovem é impulsivo, intenso e profundamente humano em suas falhas. É fácil gostar dele, mas igualmente fácil se irritar com suas escolhas. Justamente por isso, Lo’ak se torna um personagem tão interessante e essencial para o futuro da saga.

Stephen Lang retorna pela terceira vez como Miles Quaritch e, ganha novas camadas. Além da relação com Spider, o personagem passa por um processo quase contraditório de descoberta, ao aprender mais sobre Pandora e sua natureza. Há questionamento, curiosidade e até certo respeito surgindo em meio à brutalidade, tornando-o mais complexo do que um simples vilão.

A grande novidade do filme está na introdução do povo das cinzas. Oona Chaplin surge como Varang, uma personagem visualmente impactante e com uma presença magnética. Sua personalidade se encaixa perfeitamente com a de Quaritch, e não demora para que uma conexão— tanto estratégica quanto amorosa — se estabeleça entre os dois. É uma dinâmica poderosa e cheia de tensão.

Como nos filmes anteriores, Cameron ainda tropeça na escrita dos diálogos. Muitas falas soam simples demais ou excessivamente expositivas. Isso, no entanto, não impede que o filme comunique suas ideias com clareza. A força das imagens, a intensidade das performances e a qualidade absurda da captura de movimento compensam amplamente essas limitações.

O roteiro também se mostra eficiente ao conduzir uma série de críticas sociais. Colonialismo, militarização, exploração de recursos, manipulação ideológica e o custo humano da guerra estão constantemente presentes. Não tenta ser sutil: sua mensagem é direta, incômoda e consciente de seu posicionamento.

Outro aspecto que ganha ainda mais força aqui é a questão religiosa. Desde os questionamentos dentro da própria família Sully até o povo das cinzas, que se mostra descrente de Eywa, o filme constrói um conflito espiritual claro. Não por acaso, no terceiro ato, Cameron nos oferece um breve, porém marcante, vislumbre visual da “deusa” desse mundo.

No fim, Avatar: Fogo e Cinzas reafirma a ambição de James Cameron em contar uma saga épica, emocional e política. É um filme intenso, barulhento e profundamente envolvente, que amplia o universo de Pandora sem perder sua essência e seu visual cada vez mais impecável. Pode ser que essa sensação de repetição canse parte do público. Mas, pessoalmente, sigo disposto a apreciar cada milímetro visual e narrativo que Avatar oferece. Cameron continua criando cinema-espetáculo com propósito.

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