ANDOR – 2ª TEMPORADA | REVIEW

Rebeliões são construídas na esperança

Eu sei que um dia, George Lucas disse que Star Wars era para crianças. Andor não é. Assim como outras produções da franquia, ela rompe com essa ideia inicial. Mas a verdade é que Star Wars é tão mágico que, quando acerta, não importa o público-alvo, importa que estamos de volta a uma galáxia muito, muito distante, com classe e com muito o que refletir e discutir.

Na primeira temporada, a série apresentou uma trama mais madura dentro do universo da franquia: sombria, política, densa. Ali, temas sérios — nunca vistos ou pouco explorados nos filmes e séries anteriores — tomaram o centro da narrativa: tortura, controle, desigualdade, opressão e sacrifício. Na nova temporada, tudo isso é ainda mais ampliado. Cada subtrama nos mergulha de forma única na resistência e no enfrentamento ao Império. O destaque vai para o arco de Ghorman, que abordarei mais a fundo em breve.

Visualmente, é um primor. Um trabalho de produção impecável, mesmo diante da enorme escala da trama. É impressionante como, tecnicamente, Andor se sobressai positivamente em meio às outras séries de Star Wars. E isso não se limita aos cenários e efeitos visuais. O cuidado se estende aos figurinos, maquiagem e, principalmente, à criação de culturas — com uma língua original e até mesmo um hino — que nos imerge ainda mais na narrativa.

A série também investiga o poder político do universo ao retratar as engrenagens burocráticas e repressoras do Império, revelando como ele mantém o controle. Ao mesmo tempo, acompanhamos o surgimento e a unificação gradual da Aliança Rebelde, mas sob a perspectiva de indivíduos que perderam ou sacrificaram tudo pela liberdade. Cassian Andor, que perdeu, e Mon Mothma, que sacrificou, são os principais exemplos dessa construção impecável de personagens. A produção nos aproxima emocionalmente da história ao humanizar a luta sob um olhar político e profundo da saga.

Nesta temporada, o criador Tony Gilroy opta por dividir a série em arcos, nos quais, a cada três episódios, um ano se passa na vida do protagonista e dos coadjuvantes — que, em muitos momentos, roubam o protagonismo com suas próprias jornadas.

AVISO DE SPOILERS

ARCO 1 – Um Ano Depois

No primeiro arco – que para mim, é o “menos forte” – temos um protagonismo reduzido de Cassian Andor. Nesse momento, acompanhamos suas ações como um rebelde em campo, mas sua trama se torna mais morna em comparação aos demais núcleos. Ele é colocado como prisioneiro de um grupo, o que limita sua agência dentro da narrativa. Por outro lado, esse arco serve como base para impulsionar outras linhas narrativas com mais força e densidade dramática.

Um bom exemplo disso é o núcleo de Bix e dos demais fugitivos de Ferrix. Vê-los vivendo como refugiados em um planeta agrícola, fugindo da vigilância do Império, adiciona um grau de realismo raramente visto na franquia. O medo e o desespero estampados em suas expressões — e nas dos nativos — quando a presença imperial se intensifica, são palpáveis. Um dos momentos mais chocantes da série (e de Star Wars como um todo) surge quando Bix é assediada fisicamente por um oficial imperial. Essa cena, inédita na franquia, reflete de forma brutal os abusos de poder que permeiam regimes autoritários, ecoando realidades históricas e contemporâneas. Além disso, evidencia como o Império não apenas controla pela força bélica, mas também pelo medo, pela coerção e pela supressão da dignidade individual. O controle imperial é apresentado aqui como um sistema de dominação total, que vai além da política e atinge o corpo e a liberdade do cidadão comum.

No lado imperial da trama, protagonizado por Dedra Meero, vemos a construção de um plano de ocupação disfarçada: o Império inicia uma campanha de propaganda para, gradualmente, tomar o planeta Ghorman. O argumento oficial é a extração de um mineral necessário para a produção de energia sustentável — uma justificativa “ecológica” para a intervenção. No entanto, desde o princípio, o espectador é levado a perceber que o verdadeiro propósito por trás da operação é a construção da Estrela da Morte. Esse plano levanta reflexões pertinentes sobre o uso da propaganda como arma de manipulação. O Império se apresenta como benfeitor, ocultando intenções bélicas sob um verniz de progresso e sustentabilidade. Essa estratégia de domínio ideológico remete a práticas reais de imperialismo e colonização, em que discursos de modernização ou desenvolvimento mascaram o extermínio cultural, econômico e político dos povos ocupados.

Na trama de Mon Mothma, somos levados ao interior de sua vida pessoal e política, em um momento caótico de sua trajetória como senadora. Os conflitos domésticos e ideológicos se entrelaçam, especialmente após a decisão, tomada na temporada anterior, de estabelecer um casamento arranjado para sua filha como parte de uma negociação secreta para financiar a Rebelião. O sacrifício pessoal de Mon se intensifica neste arco, revelando o peso das escolhas que ela precisa fazer em nome da causa. Sua figura simboliza o dilema da integridade moral diante da urgência política. Como senadora ainda atuando dentro do sistema imperial, ela é obrigada a manter as aparências enquanto, nos bastidores, articula ações que desafiam diretamente o regime. Essa duplicidade torna sua jornada especialmente interessante, pois expõe as fissuras dentro das instituições do Império e mostra como a resistência pode nascer não apenas nas trincheiras, mas também nos corredores do poder.

ARCO 2 – Mais Um Ano Depois

Mesmo sendo episódios de transição, o segundo arco desta temporada mantém o alto nível da narrativa em todas as tramas. Bix e Cassian estão ainda mais envolvidos na luta rebelde — desta vez, juntos — especialmente após a morte de um amigo em comum, Brasso. A dor da perda e o peso da repressão imperial os empurram ainda mais para dentro da resistência, agora com motivação ainda mais pessoal e emocional, já que entendemos que os dois estão cansados de viver pela causa.

Neste arco, destaca-se também a presença do grupo de Saw Gerrera, um líder rebelde conhecido por sua abordagem radical e extrema contra o Império. Saw representa um lado da luta que outros tentam evitar: a guerra sem regras, alimentada por ódio e desespero. Ele não hesita em usar violência, vemos isso inclusive dentro de seu próprio grupo com ações do líder e soldados sedentos por missões e luta. Sua figura serve como contraponto ao lado político e mais cuidadoso de liderada por Mon Mothma.

Mon Mothma aparece pouco neste arco, mas seu lado político da narrativa continua sendo um dos mais influentes e instigantes da série. Em determinado momento, ela tenta aprovar um projeto que impediria a concessão de mais poderes ao ISB — o Escritório de Segurança Imperial, agência responsável pela aplicação da lei e inteligência do Império Galáctico. No entanto, devido ao clima de medo instaurado e ao rígido controle exercido pelo Império sobre os demais senadores, Mon encontra pouquíssimo apoio político. Isso revela como o regime consegue dominar não apenas pela força militar, mas também pela manipulação institucional. O Senado, que deveria ser um espaço de debate e representação, é transformado em uma ferramenta inoperante, silenciada pelo medo de represálias.

Do lado do Império, vemos o início da ocupação de Ghorman, com a presença gradual, mas estrategicamente posicionada, de forças imperiais no planeta. Esse arco logo se conecta ao de Andor, já que ele é enviado para avaliar indícios de atividade rebelde na região. A partir dele, somos apresentados a um grupo de nativos que nos oferece uma importante perspectiva local: a de uma população que desconhece completamente a real motivação por trás da presença imperial em seu território. A falta de informação e o controle dos invasores mostram a tática clássica do Império: ocupar e explorar, sem jamais informar. A série utiliza aqui um recurso brilhante para nos aproximar ainda mais dessa realidade — a criação de uma língua original para os nativos, inspirada no francês. O cuidado da produção é notável, especialmente por ter escalado atores francófonos, o que confere ainda mais autenticidade e naturalidade à comunicação entre os personagens.

Essa linguagem própria não é apenas um detalhe estético; ela simboliza a riqueza cultural de um povo que está prestes a ser sufocado por uma presença invasiva que sequer se preocupa em compreendê-los. O Império não conquista pela diplomacia, mas pela imposição — e isso fica claro quando a resistência dos nativos leva a uma tentativa de roubo de armamentos imperiais. A ação resulta em um momento marcante e doloroso da temporada: a morte de Cinta Kaz. Sua trajetória, marcada pela luta silenciosa e determinada por liberdade, ganha um fim trágico que reforça a dureza do conflito. É um lembrete cruel de que enfrentar o sistema imperial exige sacrifícios reais — e, muitas vezes, não há glória, apenas perdas. Mas todo esse controle e a luta cruel contra o Império só viria a piorar.

ARCO 3 – O Verdadeiro Império

Neste terceiro arco, embarcamos de vez nos acontecimentos em Ghorman — o verdadeiro epicentro desta temporada. Mesmo sendo o penúltimo arco, ele tem o peso e a estrutura emocional de um clímax de série. Tudo o que vimos até aqui, todas as pequenas histórias paralelas, as sementes plantadas desde o início, convergem para este ponto. E que momento! O texto é riquíssimo em cultura local: a ambientação em Ghorman é precisa, viva e respeitosa com a diversidade cultural daquele povo. A língua original criada para os nativos ganha ainda mais destaque, reforçando o cuidado da produção com a imersão e autenticidade. Tudo isso serve para amplificar o impacto do evento mais devastador desta temporada: o Massacre de Ghorman. O massacre não é apenas uma tragédia visual, mas simbólica — é a linha que separa a resistência silenciosa da insurgência ativa. É a faísca que transforma a indignação em guerra.

Ao mesmo tempo, vemos o início do verdadeiro enfrentamento político ao Império. A figura de Mon Mothma se solidifica como símbolo de oposição institucional, mesmo isolada e cercada por ameaças e desconfiança. A partir de suas ações e articulações, temos o nascimento oficial da Aliança Rebelde. Até então, existiam apenas células rebeldes isoladas, lutando com diferentes estratégias, motivações e lideranças. Agora, pela primeira vez, essas vozes se unem em torno de um propósito comum, formando uma frente unificada contra o regime. A série trata esse momento com a solenidade e emoção que ele merece: é o começo de algo maior, o surgimento de uma ideia que sobreviverá àqueles que a iniciaram.

No plano mais íntimo da narrativa, temos o dilema de Bix. Após tantas perdas e sofrimentos, ela toma uma decisão dolorosa, mas poderosa: decide se afastar de Cassian Andor ao saber, por meio de uma usuária da Força, que ele será essencial para o futuro da Rebelião. Essa escolha não é apenas um gesto de amor, mas de fé — fé no que está por vir e no papel crucial que ele terá. Como espectadores, nós já conhecemos esse futuro. Sabemos o quanto Andor será determinante para que a Rebelião consiga obter a planta da Estrela da Morte em Rogue One, sacrificando-se para salvar a galáxia. Essa consciência prévia torna a decisão de Bix ainda mais tocante e trágica — ela o deixa ir, para que ele possa se tornar o herói que ainda não sabe que será.

Por fim, temos o desfecho do arco de Syril Karn — talvez o personagem mais ambíguo da série. Obcecado por capturar Andor desde os primeiros episódios, Syril personifica o fanatismo burocrático, a obsessão pelo “dever” acima da razão ou empatia. Sua vida foi consumida por essa missão. No entanto, sua trajetória termina de forma irônica e amarga: morre enfrentando Andor sem sequer saber quem ele é. Para Andor, Syril é só mais um obstáculo em uma luta maior. Para Syril, é o fim da linha. A série entrega aqui um dos momentos mais simbólicos do arco: a morte de alguém que buscava significado através da submissão a uma estrutura opressora — e que, no fim, não teve sequer o reconhecimento de seu “inimigo”. Sua morte não é heroica, nem notada. É silenciosa, como o destino daqueles que escolheram o lado errado da história.

ARCO 4 – Rebeliões são construídas na esperança

O primeiro episódio deste arco final foca em uma única trama, que une as histórias de Dedra, do lado imperial, com os bastidores da rebelião sob a ótica de Luthen e Kleya. Aqui, acompanhamos a revelação de uma verdade que nós já sabíamos, mas é chocante para os personagens. Um informante do próprio Império entrega a Luthen informações cruciais que conectam todos os acontecimentos da temporada — o massacre de Ghorman, o projeto de “energia sustentável”, a extração de cristais Kyber. Tudo isso era apenas fachada. Um grande plano de desinformação para mascarar a construção da superarma mais temida da galáxia: a Estrela da Morte.

O sacrifício de Luthen, que se entrega completamente à causa para que a verdade chegue na Aliança Rebelde, é carregado de emoção, uma vez que ele se mostra consciente de que nunca verá o resultado final daquilo que ajudou a construir. Kleya, por sua vez, assume a missão de sobreviver e levar a verdade até os líderes da Aliança. Narrativamente, é poderoso e emocionante ver a engrenagem por trás dos grandes eventos de Rogue One se movimentando. Ver todas essas peças se conectando é como presenciar o nascimento de uma trilogia não intencional — mas quase perfeita em sua execução.

Quando a informação finalmente chega aos líderes da Aliança — Mon Mothma, Bail Organa e outros — o clima é de precaução. A ideia de enfrentar o Império já era um ato arriscado. A necessidade de enfrentar uma superarma capaz de destruir planetas é algo que eles buscam não querer acreditar. É nesse cenário de tensão e incerteza que Cassian Andor é convocado mais uma vez. A série termina com essa chamada, essa promessa de continuidade que não precisa ser mostrada aqui, pois sabemos onde ela nos leva. O fim da série se entrelaça diretamente com o início de Rogue One, criando uma transição narrativa incrível. Mas… Tony Gilroy tinha que fazer uma última cena.

Em sua cena final a série nos mostra Bix, vivendo em paz, com um filho dela e de Cassian, o qual ele nunca nem saberá que teve. É um tapa na cada que nos faz lembrar de pessoas que a rebelião perdeu e daquelas que sacrificaram tudo em prol da Aliança e da busca pela liberdade nessa galáxia muito, muito distante.

Para mim, que já considerava Rogue One o melhor filme de Star Wars, essa temporada de Andor não só elevou ainda mais sua importância, como ampliou seu impacto emocional e narrativo. Agora, cada sacrifício, cada escolha e cada perda que vemos no filme carrega o peso de tudo o que foi construído aqui. A série transformou uma grande história em algo ainda mais profundo e inesquecível.

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