Aula de live-action com alma

Seguindo a tendência já consolidada pela Disney, a DreamWorks lança seu primeiro live-action baseado em uma de suas animações mais queridas: Como Treinar o Seu Dragão. E quem comanda essa transição é o próprio Dean DeBlois, diretor da trilogia original, que agora se aventura pela primeira vez no cinema live-action. Seu retorno à história que ajudou a criar traz consigo uma sensibilidade familiar, mas adaptada a uma nova linguagem. E ele comanda isso com maestria.
O visual do longa é um espetáculo. O CGI é impecável e se funde lindamente com locações reais de tirar o fôlego, fortalecendo a imersão nesse universo viking mágico. Como curiosidade, as filmagens aconteceram em locais que serviram de referência visual para os cenários da animação original, há mais de 15 anos, fechando um ciclo visual com uma homenagem significativa.

Narrativamente, o live-action segue de forma bastante fiel à estrutura do original animado. Os principais marcos, temas e aprendizados permanecem. No entanto, os acréscimos feitos para essa nova versão são essenciais. Eles aprofundam a parte dramática e trazem a complexidade necessária que o formato live-action exige, evitando o ritmo acelerado e algumas conveniências que, embora funcionem na animação, costumam soar rasas em um filme com atores reais.
Grande parte desse aprofundamento se concentra na relação entre Soluço e seu pai, Stoico. A dinâmica entre os dois ganha mais tempo de tela e é diluída ao longo da narrativa, permitindo que o público compreenda com mais clareza os conflitos internos e os sentimentos de ambos, tornando a jornada emocional ainda mais envolvente, uma vez que, apesar de serem família, eles possuem visões distintas dos fatos ao redor deles.

Mason Thames entrega uma interpretação sensível como Soluço. Ele mantém o charme desajeitado do personagem original, mas adiciona uma profundidade que sugere um jovem que, em outros contextos, até poderia se encaixar nas expectativas sociais de sua vila. O problema, como o filme demonstra com elegância, é o próprio ambiente hostil que o cerca e a situação que ele é colocado junto ao seu dragão. À medida que o filme avança, especialmente no terceiro ato, vemos essas camadas se expandirem para os coadjuvantes, reforçando a ideia de amadurecimento coletivo.
Gerard Butler retorna como Stoico, agora em carne e osso, com a mesma potência vocal e presença marcante que o definiram na animação. Nico Parker, como Astrid, começa mais contida, refletindo sua posição inicial de antagonismo, mas logo se mostra carismática e perfeitamente adequada à proposta da história. Já Nick Frost brilha como Gobber, sendo o alívio cômico certeiro. Seu personagem ganha falas afiadas e momentos que o fazem roubar cenas com facilidade.

O icônico dragão Banguela, por sua vez, atinge um novo patamar de expressividade. Se na animação ele já era cativante, aqui ele consegue ser ainda mais fofo e, ao mesmo tempo, mais ameaçador — mérito da abordagem visual mais realista. Os demais dragões também ganham esse aspecto mais intimidante graças ao design menos cartunesco. O ato final mantém o espírito de fantasia épica do original, com cenas visualmente impressionantes, apoiadas por um CGI de ponta, ambientações bem construídas e uma trilha sonora que continua marcante e emocionalmente poderosa.
Ainda que conte essencialmente a mesma história, o live-action de Como Treinar o Seu Dragão se posiciona como uma reinterpretação emocionalmente mais densa. Embora não ultrapasse a magia e o frescor da animação original, o novo filme consegue preservar seu coração — com seus aprendizados, jornadas e transformações — ao mesmo tempo que amplia seu drama e sua complexidade narrativa. Uma adaptação digna, que respeita o passado enquanto olha para novas possibilidades.