A ligação se torna um pesadelo

Depois de matar o antagonista em O Telefone Preto, o roteirista e diretor Scott Derrickson encontrou uma saída criativa: transformar o vilão em uma entidade sobrenatural, algo entre um espectro e uma lenda urbana. Essa escolha o aproxima de uma figura icônica do terror, o Freddy Krueger, mas mantendo algumas originalidades.
Essa transformação redefine o tom da franquia. Se no primeiro filme acompanhávamos o sequestro angustiante de um garoto preso em um porão, aqui o terror se manifesta nos sonhos. Os pesadelos se tornam o novo “porão” dos protagonistas.

Ambientado em um acampamento isolado em meio a uma nevasca, o filme cria uma atmosfera densa. Derrickson sabe tirar o máximo desse confinamento. A direção é pulsante, combinando momentos de introspecção com sustos eficientes. O terror sobrenatural se mistura à tensão de sobrevivência, em cenas que alternam drama, ação e desespero em doses equilibradas.
A fotografia é um dos maiores trunfos da produção. A neve se torna quase um personagem. O uso de texturas granuladas e cores lavadas nos momentos de sonho é uma escolha estética inspirada, criando uma distinção visual que ajuda o público a navegar entre os planos.

O telefone passa a funcionar como um elo entre o mundo dos vivos e o dos mortos, e o roteiro flerta com questões teológicas e existenciais. Além disso, os sonhos ganham peso dramático real, uma vez que suas consequências ultrapassam o campo onírico e moldam o destino dos personagens.
A tensão é quase constante, mas o filme sofre com alguns deslizes. Há momentos em que o ritmo se torna irregular, alternando entre sequências frenéticas e outras excessivamente alongadas. Essa montanha-russa de ritmo quebra um pouco a imersão.

Ainda assim, o roteiro acerta ao incluir elementos de investigação e ao trabalhar os traumas deixados pelo primeiro filme. A culpa e o medo se transformam em motores narrativos poderosos, e a presença do vilão ecoa como uma lembrança impossível de apagar.
No elenco, Mason Thames, que havia impressionado no primeiro filme e em Como Treinar o Seu Dragão, se prova um dos melhores da sua geração. Seu personagem tem menos destaque desta vez, mas o jovem ator continua transmitindo uma carga dramática sólida. Contudo, quem realmente rouba a cena é Madeleine McGraw. Sua personagem assume o protagonismo conforme a trama avança. Ela é o coração do filme, o elo entre o mundo real e o sobrenatural.

Ethan Hawke, mesmo com uma presença física reduzida, continua sendo uma baita ameaça. Sua atuação vocal é assustadora. O simples som de sua voz já é o suficiente para causar desconforto. Miguel Mora também surpreende em um papel coadjuvante exigente, trazendo reações genuínas às situações extremas.
Por trás de tudo, é evidente a intenção da Blumhouse de consolidar o Sequestrador como um novo ícone do terror moderno. E, ao que tudo indica, a missão está sendo bem-sucedida. A mistura de mitologia sobrenatural, simbolismo religioso e trauma psicológico cria uma figura com potencial para se tornar bem marcante.

O Telefone Preto 2 é uma sequência ambiciosa e estilisticamente poderosa. Apesar de tropeçar em alguns momentos repetitivos e no ritmo desigual, o filme amplia a mitologia da franquia e entrega um terror visualmente deslumbrante e emocionalmente carregado. É uma história sobre sonhos, culpa e redenção — e, acima de tudo, sobre como o verdadeiro horror talvez nunca morra.


