A humanidade em seus extremos opostos

Depois da revolta fracassada do Jogador 456 e companhia, Round 6 retorna para sua terceira e última temporada na Netflix com tudo o que a consagrou: jogos mortais baseados em brincadeiras infantis, violência estilizada e reflexões impactantes. Se na temporada anterior pairava a dúvida sobre até onde a série conseguiria ir sem perder o impacto, aqui ela abraça o absurdo e o desconforto — e usa isso a favor da trama de forma surpreendentemente eficiente.
Com jogos mais tensos e menos personagens em cena, o roteiro se dá ao luxo de explorar, com mais profundidade, a moralidade de cada jogador. Isso é mostrado de forma visceral, inclusive com mortes que doem — não apenas pelo sangue, mas pela relação criada entre assassinos e vítimas. Em vários momentos, a série se aproveita dessas conexões para tornar as perdas ainda mais pesadas, sem pudor ou medo, principalmente ao estender o impacto mental sobre quem foi responsável por essas mortes próximas.

Para discutir — e muito — sobre humanidade, a série usa como nunca os VIPs, aquela elite grotesca que banca e se diverte com os jogos. Desta vez, eles não são apenas figurantes excêntricos com falas pontuais. São parte ativa do problema e da crítica. Enquanto apostam, riem e especulam sobre a dor alheia, ajudam a série a expor, com clareza, a podridão da humanidade quando ela se vê no topo. Mas o verdadeiro show de horrores continua entre os próprios jogadores. A cada votação para continuar os jogos, não se fala em vida ou morte — o debate é sempre sobre dinheiro. As barbaridades cometidas ali não nascem só do instinto de sobrevivência, mas da mais pura ganância.
Ao mesmo tempo, Round 6 contrapõe essa visão sombria da humanidade com o oposto em algo inesperado: criação. O bebê de uma das participantes se torna o fio condutor da narrativa em boa parte dos episódios. E se o discurso nos jogos é sobre o fim, a série parece sugerir que há uma saída — um recomeço. Não faltam momentos desconfortáveis envolvendo esse núcleo, especialmente por falas e atitudes grotescas de outros personagens, mas é justamente aí que o roteiro ousa ao extremo. Pena que o CGI do bebê seja tão ruim que, em certos momentos, quebra completamente a tensão das cenas mais importantes.

Em um dos momentos mais simbólicos da temporada, quando Gi-hun é perguntado se ainda acredita na humanidade, seu silêncio é mais claro do que qualquer resposta. Pelas suas ações, pela forma como encara o outro, ele acredita — mesmo que tenha dificuldade em admitir. Isso nos conduz a um desfecho poderoso para o personagem, que, ainda que não seja totalmente surpreendente, é tocante pelo caminho percorrido até ali. Um final construído com empatia, solidariedade e amor, mesmo que seja quase impossível manter esses sentimentos vivos naquele ambiente.
Os jogos em si talvez não sejam os mais criativos da série, mas cumprem seu papel ao colocar, mais do que nunca, jogadores contra jogadores. Desde o primeiro — onde caçam uns aos outros — até o infame pula corda macabro e o confronto final, todos os desafios servem ao propósito maior: revelar o pior do ser humano.

Outro mérito da temporada é o equilíbrio entre o núcleo dos jogos e as tramas externas. Pela primeira vez, o roteiro acerta em cheio nessas histórias paralelas — todas marcadas por um sentimento de encerramento e por acontecimentos relevantes, o que era raro nas temporadas anteriores. A sensação é de que, enfim, as peças estão sendo organizadas para o fim, e nisso a série capricha ao encaminhar um encerramento digno para as histórias iniciadas desde o primeiro episódio.
No fim das contas, Round 6 encerra sua jornada com coragem, densidade e emoção. Aproveita ao máximo o que tem a dizer — e diz com força. Ao apostar menos em reviravoltas e mais em questionamentos profundos sobre o que significa ser humano, a série encontra seu desfecho não no espetáculo dos jogos, mas no destino de seus personagens.