A espetacularização do patriotismo vazio

A Longa Marcha: Caminhe ou Morro adapta uma das obras mais perturbadoras de Stephen King e traz para o cinema uma versão visceral dessa distopia. O cenário é um Estados Unidos dilacerado por uma segunda Guerra Civil, onde a população encontra entretenimento em um reality show mortal onde jovens caminham sem parar, até que só reste um vivo. O motivo da ‘longa caminhada’? Inspirar patriotismo e ética para aqueles carentes de esperança.
O filme escancara nossa obsessão coletiva por espetáculos de sofrimento, algo que já existe em menor escala nos reality shows e nas transmissões de violência que circulam diariamente. A ideia de transformar o desespero em espetáculo soa como ficção exagerada, mas não está tão distante de uma sociedade cada vez mais anestesiada diante da dor alheia.

A “longa marcha” não é só um reality, mas um sacrifício da geração jovem em nome de um patriotismo vazio. Jovens são usados como combustível para guerras e ideologias que não os representam.
A figura do Major se destaca como a personificação de um estado tirânico. Um homeme frio, misteriosos, calculista, sempre presente para lembrar que não há saída além de seguir em frente. Mark Hamill entrega uma das atuações mais brutais de sua carreira. O personagem é tão implacável com seu olhar frio e falar duras. Uma força que paira sobre cada passo dado pelos jovens.

A direção de Francis Lawrence abraça esse peso da trama e o amplifica. Ele transforma uma estrada infinita em palco de tensão contínua. Com enquadramentos que passam da grandiosidade da paisagem ao close sufocante nos seus personagens exaustos, ele prende o espectador em um ciclo de ansiedade que não tem escapatória.
Isso só funciona porque o roteiro de JT Mollner é certeiro. Ele dá vida a personagens variados — alguns carismáticos, outros detestáveis. A brutalidade física e mental é mostrada sem rodeios transformando a violência em parte essencial da experiência perturbadora que o filme se torna. A cada diálogo, somos guiados entre discussões sérias, piadas que aliviam a tensão e momentos que nos conectam com aqueles jovens prestes a morrer.

Vale ressaltar que o filme correu um risco enorme ao se apoiar em uma premissa tão limitada: toda a ação acontece em uma caminhada. Era muito fácil se tornar repetitivo ou cansativo. Mas a montagem mantém um ritmo afiado, alternando o peso com pequenas pausas de humanidade entre os jovens. Essa cadência segura a atenção até o final, transformando a repetição do ato de caminhar em um grande fardo.
Cooper Hoffman assume o papel de protagonista com uma carga dramática e motivacional maior, funcionando como a voz da esperança em meio à barbárie. Já David Jonsson rouba a cena como a força motriz emocional, com uma performance tão intensa que deve disparar ainda mais sua carreira. Não à toa, o filme se torna seu a partir de certo ponto, até quando somos presenteados com um final impressionante em que ele atua como figura principal. Ao lado deles, Ben Wang, Garrett Wareing, Charlie Plummer, Tut Nyuot e Roman Griffin Davis completam um time afiado, trazendo nuances que fazem a caminhada ainda mais dolorosa.

A Longa Marcha: Caminhe ou Morra é cinema bruto, sem medo de encarar a escuridão do que pode ser a natureza humana. Um filme pesado, que não esconde sua crueldade, mas também não cai no vazio, tendo algo a dizer. O resultado é uma experiência sufocante e memorável, que pode ser duro de assistir, mas impossível de esquecer.